sábado, 16 de março de 2013

Zunido (a crônica de um minuto e meio)


Matei. Em um segundo; e com um movimento rápido e preciso; livrei-me do animal que tanto asco e chateação me causava. Jaz a mosca no chão da sala, e um silêncio toma conta da madrugada.
Só. A distração que repousa moribunda no assoalho deu origem ao constrangedor encontro entre mim e meu ego. Permanecemos por alguns instantes em silêncio até que eu pudesse me repreender:
-Ora, veja só: matou a mosca e agora? Qual o objetivo? Deite e durma, nada mais resta.
Assim vou eliminando os imbróglios sonoros do caminho, ainda que não saiba muito bem lidar com o silêncio.

segunda-feira, 11 de março de 2013

Cálice


Poucos aprendizados são tão importantes para o ser humano quanto o aprendizado do não dizer. Crescemos num mundo onde a imediaticidade e a praticidade ocupam pilares fundamentais do famigerado progresso. Em meio a tanta pressa e tanto saber, crianças falam cada vez mais cedo; e pedem; e gritam; e esperneiam; não aprendendo – às vezes nunca aprendem – a ouvir. A sentir. A explorar todos os 5 sentidos natos, a desenvolver os seus instintos de animal, seu sexto sentido. Aprender o silêncio transforma a vida de uma pessoa. É ele o mais temido dos argumentos, o mais misterioso, perturbador. 

Durante anos nos é ensinado a questionar, a perguntar, brigar face às injustiças da vida, defender nosso ponto de vista, vencer pelo discurso. Demagogos, sofistas, estelionatários. O mundo aberto para aqueles com o melhor domínio da palavra. Com o tempo passamos por experiências, situações de extrema tensão, de sofrimento, de dúvidas, ocasiões em que o silêncio se faz necessário para que possamos estar apenas conosco. Conhecemos o colo amigo que não precisa dizer uma só palavra para acalmar com um afago; conhecemos o olhar do amor, que aquece o corpo por inteiro em instantes; conhecemos o não saber o que dizer, o balbuciar e o abraço. 

É no silêncio que se encontram as maiores respostas da vida. Mas, como eu já disse, o silêncio é um argumento misterioso e assustador. Tenho passado nos últimos dias por situações em que vejo a necessidade de silenciar. Talvez seja apenas uma preguiça de me aborrecer – coisa que também é de fundamental importância que aprendamos o quanto antes – talvez seja apenas a compreensão de que algumas coisas não devem ser ditas. Tenho experimentado o silêncio com amigos, com familiares, e até comigo mesma – é importante parar de reclamar e apenas olhar ao redor- ; a cada dia descubro um novo sabor. Nesse momento experimento o sabor da dúvida quando, ao me flagrar diante de uma injustiça, me vejo silente. 

Me parece que começo a compreender não apenas o significado, mas a significância da confiança. Entre amigos as injustiças não precisam ser discutidas, resolvidas. Amigos silenciam na certeza da lisura e qualquer explicação é vã e dispensável. Aí encaixa-se o embate: o silêncio se impõe, mas como argumento feroz pode significar a confiança na impossibilidade da existência do ato injusto ou, em contrapartida, a plena convicção de que a injustiça não o é. Nesse ponto paira o sabor da dúvida que aprecio em meus lábios.  Sim, aprecio, na certeza de que essa situação, ainda que hoje conflituosa, me fará amanhã um alguém melhor. Sinal que estou viva, que estou amadurecendo e sempre estarei. Me manterei silente e a seleção natural se fará. É parte da formação do nosso espírito saber reconhecer aqueles em quem devemos depositar a nossa confiança, aqueles que merecem o nosso silêncio da certeza do "é mentira", "é uma injustiça", "sequer preciso perguntar". Enquanto isso aproveito o sabor da dúvida do silêncio e vou aprendendo a paciência... Na contramão de Chico: eu quero mais é esse cálice.

quarta-feira, 6 de março de 2013

Um Novo Adolescer

Adolesci.
No beijo quente da morena tenho dezesseis flamenjantes;
em seu abraço: quinze assustados;
na saudade que me faz refém: treze e meio, quiçá quatorze em agonia.
Adolesci aos vinte e dois de poucas vergonhas.
E a morena furta-cor
- furta-coração também-
lá, tão longe,
sorrindo, incrédula, meu adolescer tardio.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Beta

Sedenta pela vida, bebera cada segundo com tamanho afinco que afogou.
Pior seria morrer de sede, lentamente. 
Morreu afogada nos segundos intensos. 
Morreu feliz.

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Descafeinado, por favor.



Estava parado olhando para a caneca de porcelana azul onde descansava despreocupadamente uma colher de chá. Ali não havia chá, tampouco café. Café... Ela adorava café! Dei duas mexidas no achocolatado forte e tomei um gole grande. Ela adorava café. Era engraçado como isso soava: achocolatado era tão “show da Xuxa” e eu aqui, com meus vinte e pouquinhos, me deliciando em colheradas e mais colheradas de chocolate em pó, enquanto ela; que mal saíra da puberdade; estava lá, toda adulta com aquele nariz lindo e arrebitado – atrevida que era - pedindo um capuccino forte, amargo. Ultimamente tenho caprichado mais na superdosagem, quanto mais escuro melhor, o que vem a ser intrigante... Acabo de me dar conta que olhando bem para a mistura, composta de muito cacau e leite, eu poderia até me confundir e imaginar que fosse café – exceto, é claro, pelo aroma característico da sementinha da insônia - e talvez isso me fizesse ficar mais próximo dela. Ela adorava café. E ela o bebia em canecas: estava sempre com uma garrafa térmica no quarto, onde secava litros e mais litros enquanto divagava sobre a vida; sobre o amor; sobre mim... Quantas vezes aquela cabecinha não ficou confusa acerca das minhas inconsequências enquanto o cheiro gostoso de café tomava conta do ambiente?! Eu jamais iria saber, ela jamais me contaria. Levantei da cadeira, caminhei feito barata tonta pelo quarto e pensei em jogar fora o achocolatado, pegar um pouco de café e deixar para trás velhos costumes infantis. Caí na cadeira sorrindo e repeti em voz alta: - mas era ela que adorava café, oras, não eu! Novamente essa minha mania de tentar encontrar soluções inúteis para problemas imaginários, como se o fato de ser viciado em achocolatado forte interferisse na forma como tudo sucedeu. De fato não interferia. A solução seria outra e não cabia na caneca azul de porcelana. Também não caberia na garrafa térmica já cansada de tantas noites em claro, pois nem com milhões de goles de café ela conseguiria decifrar minhas inconsequências - sequer eu conseguiria. Nossa, como ela adorava café... Anteontem ela tomou suco de manga, infelizmente descobri isso da pior maneira possível: ouvindo o seu novo amor lhe oferecer carinhosamente, assim como eu já havia feito em outras ocasiões com o meu achocolatado forte. Ela preferiria café, com toda certeza. E no fundo uma pontada de orgulho por conhecê-la tão bem. Tomei o que restava do achocolatado sentindo descer pela garganta uma verdade: ela preferiria café, eu sei que sim, mas só tinha suco de manga, com sede que ela não ia ficar! Caramba, como ela adorava café!

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Boticário



Na nota de entrada: Almíscar.
Em seu caminhar incerto e castanho, apenas a vontade se fazia presente –
além, é claro, da nuvem perfumada que circundava sua aparição –
um aroma tão seu, que certamente impregnado na composição genética;
flores tentavam, sem sucesso, reconstruir esse encanto.

No coração: Cravos da Índia e Pimentas do Reino.
Cheiro de fogo, de paixão, de desejo.
E o calor do momento esquentava a carne,
tornando todo o resto sem graça e sem cor.
Vermelho, muito vermelho, 
para sinestesiar a ocasião plural.
Em línguas, em mãos, em gosto. 
Quente; ardente.

Sândalo para nota de fundo.
Num suspiro longo a sensação de um sonho bom,
perdida em pensamentos:
imagens rápidas, aleatórias, paz e saudade.
Inspiro fundo e te sinto tão longe, mas, 
ainda assim tão perto,
aqui, 
em mim.