quarta-feira, 11 de abril de 2012

Crise de gente só

Queria escrever um texto infantil. Daqueles rimados, cheios de pronomes possessivos e obviedades.
Queria, melhor dizendo, poder me sentir infantil. Poder ser possessiva e achar tudo muito óbvio.
O mundo dos "meus" seria colorido e feliz. O mundo dos "seus" também seria meu. Eu seria "seu".
"Nosso" seria tudo aquilo que, de tão bom, quereriamos compartilhar, mas só entre nós, com mais ninguém (o infantil também é restritivo).
Queria colocar o sol nos versos e representar a luz.
Queria pintar o mar no fim das linhas, só para rimar com amar depois.
Queria desenhar um sorriso no boneco palito do canto da página.
Mas a gente nasce sabendo sentir e desaprende.
A gente vive desconstruindo as vontades, limitando os desejos, guardando as palavras.
E aí dá nisso. A gente quer ser criança.
A gente quer liberdade para falar de sentimento.
Sentimento é bobo e possessivo.
Sentimento é óbvio.
Mas a gente não quer ser óbvio, a gente quer ser mistério.
Um dia, desconstruindo, pouco a pouco, essa idéia do sociolimite,
reaprendendo a sentir como criança,  a falar como criança, a pensar como criança,
vou rimar amar com mar, tomar para mim em pensamento todos os teus gestos,
sua boca será minha boca, suas mãos serão minhas mãos, seus cabelos serão meus cabelos.
E serão tão meus que seus beijos a mim pertencerão, seu toque escravo da minha pele,
seu cheiro meu calmante natural.
Pena que desaprender a ser gente só, a ser só gente (ou gente grande, em outras palavras)
leva uma vida inteira!
E como essa gente só, essa gente grande, desaprendida do sentimento,
não me terá criança, frente a ausência da fofura jamais recuperada,
serei chamada velha, velha ranzinza.
Enquanto não sou velha o bastante para ser criança,
não posso rimar o mar
não posso comparar com a vontade de te amar.
Só posso ser assim, tentando ser ilimitada nas palavras mais restritivas,
tentando arrancar do peito sentimento simples em versos complexos,
só pra fazer você saber que, no fundo, a criança em mim desaprendeu
a te dizer que te ama, mas não desaprendeu a te amar.