quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Alúmen

Unindo cacos - quase arte -
Fez um novo - era velho -
Fez-se novo - quase o mesmo -
Há no mundo quem não saiba - pouca gente -
Dos que devem, poucos temem - é coragem -
E os que temem sofrem antes - consciência -
Mas, veja só, que coisa é a vida - curiosa -
Pois, da lambuja fiz choroso o repartir-me - inerente -

Mas não deves; menos temes - é o que dizes -
E, num sorriso, vens juntar-me - adstringente.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Hedonê

No sorriso: malícia.
Era o que diziam aquelas línguas.
Digo mais: maldade.
Era o que diziam aqueles fatos.
Talvez tivesse nascido na grécia em outras vidas.
Seria escrava ou amiga das vontades?
Epicurista? Hedonista? Egoísta?

Vixi! É muito ista pra pouca menina.

Não acreditava mesmo nessas coisas de outras vidas.
Preferia lembrar que gente é bicho,
bicho que pensa que não é bicho.

-Que bicho bobo a gente é, né?

E coloca de volta o sorriso malícia, maldade...
O sorriso carnívoro no rosto.

sábado, 7 de julho de 2012

Até Logo

Com o mar nos olhos,
olhos mareados.
com o marrom na boca,
mel que entorpece.
Cheiro de menina que vai,
vontade de menina que fica.
E eu aqui, contando minutos pra um dia que nem sei se vem.
Mas há de vir, arde vir.
Com mel, com mar, com marrom, comigo.

terça-feira, 15 de maio de 2012

Eclipse Oculto

Da moça de sorriso aberto eu não quero amanhã.
Eu quero o ontem.
Quero o ontem amanhã.
Quero o olhar curioso de mar marrom,
quero as ondas de caramelho emoldurando o rosto juvenil.
Quero os arrepios. Quero o ontem.
Dispenso esse amanhã incerto, essas involuções, essa retração.
Dispenso o amadurecimento, os autocontroles, os segredos.
Da moça de sorriso aberto eu quero o sorriso aberto.
Quero um eterno ontem.
E pra caetanizar o verso quase triste quase temeroso,
Só quero que tudo saia como o som do Tim Maia,
sem grilos de mim.
Sem desespero, sem tédio, sem fim.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Crise de gente só

Queria escrever um texto infantil. Daqueles rimados, cheios de pronomes possessivos e obviedades.
Queria, melhor dizendo, poder me sentir infantil. Poder ser possessiva e achar tudo muito óbvio.
O mundo dos "meus" seria colorido e feliz. O mundo dos "seus" também seria meu. Eu seria "seu".
"Nosso" seria tudo aquilo que, de tão bom, quereriamos compartilhar, mas só entre nós, com mais ninguém (o infantil também é restritivo).
Queria colocar o sol nos versos e representar a luz.
Queria pintar o mar no fim das linhas, só para rimar com amar depois.
Queria desenhar um sorriso no boneco palito do canto da página.
Mas a gente nasce sabendo sentir e desaprende.
A gente vive desconstruindo as vontades, limitando os desejos, guardando as palavras.
E aí dá nisso. A gente quer ser criança.
A gente quer liberdade para falar de sentimento.
Sentimento é bobo e possessivo.
Sentimento é óbvio.
Mas a gente não quer ser óbvio, a gente quer ser mistério.
Um dia, desconstruindo, pouco a pouco, essa idéia do sociolimite,
reaprendendo a sentir como criança,  a falar como criança, a pensar como criança,
vou rimar amar com mar, tomar para mim em pensamento todos os teus gestos,
sua boca será minha boca, suas mãos serão minhas mãos, seus cabelos serão meus cabelos.
E serão tão meus que seus beijos a mim pertencerão, seu toque escravo da minha pele,
seu cheiro meu calmante natural.
Pena que desaprender a ser gente só, a ser só gente (ou gente grande, em outras palavras)
leva uma vida inteira!
E como essa gente só, essa gente grande, desaprendida do sentimento,
não me terá criança, frente a ausência da fofura jamais recuperada,
serei chamada velha, velha ranzinza.
Enquanto não sou velha o bastante para ser criança,
não posso rimar o mar
não posso comparar com a vontade de te amar.
Só posso ser assim, tentando ser ilimitada nas palavras mais restritivas,
tentando arrancar do peito sentimento simples em versos complexos,
só pra fazer você saber que, no fundo, a criança em mim desaprendeu
a te dizer que te ama, mas não desaprendeu a te amar.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Atreve

Sorriso no canto da boca
e a menina já não sabe mais não pensar.
A menina aprendeu a enxergar as coisas com olhos de mulher,
olhos de lince, de predador.
Caminho sem volta.
A menina agora dá sobrenome as cores. As bonecas ficaram mudas e as saias ficaram curtas.
Sorriso no canto da boca
e a menina não está mais lá.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Noturno

Agarrei-me aos cabelos da noite e a trouxe para mais perto de mim.
Imbricamo-nos de tal forma que se mostrou impossível uma desassociação dos dois seres.
Eu era a noite e a continha, a noite me era e continha.
Adormecemos juntas, exaustas e satisfeitas.
Quando acordei ela não mais estava, partira da mesma forma que chegara:
sorrateira, silenciosa e imprevisível.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Azucrim

Te deixo ir.
Mentira.
Te faço crer que te deixei ir.
Uma farsa deveras interessante: tu vais crendo que te deixei, eu não te deixo sabendo que tu vais.
No final das contas tu vais.
E eu cá fico. 
Eu e esse aperto fino no peito.
Pulsos cerrados para não sucumbirem ao desejo de te tomar pelo braço e te prender em mim.
Lábios mordidos para não sucumbirem ao desejo de clamar pela sua permanência.
"Ne me quitte pas"
ressoando como ecos roucos em minha cabeça perdida.
Nada digo.
Foi.
Deixou para trás um rastro de memórias, 
um cheiro doce que tão logo deixará a cabeceira da minha cama assim como você o fez, 
mas que jamais sairá de minh'alma tal qual essas lembranças de sol...
De chuva...
Eu não fui. Eu nunca vou. Não consigo ir.
"Dejavù"
A porta está aberta, entre sem bater quando voltar.
Azucrina. 
Se livra dos confetes, das sandálias e do passado.
Se puder deixar o medo a gente fica mais feliz.
"Je t'aime"
Desse jeito, do meu jeito, confuso.
Vai, vive, volta.
Eu não deixo, mas minto que sim.
Você sabe que eu não deixo, mas finge que não.
Vermelho,
traz pra mim um monte de vermelho quando voltar.
Você se foi e deixou um preto sem fim.
Eu gosto mesmo é de marrom. 


segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Cíclico - Sobre pais, filhos e sonhos impostos.

-Não sou uma marionete, pai. EU TENHO A MINHA VIDA!

E num estampido seco Jairinho bateu a porta atrás de si.

Espigão, era assim que Jairinho era chamado na escola. Espichara 13 centímetros no último verão, o que o deixava agora com 14 anos e 1,88m de altura, conferindo-lhe o status de mais alto da 8ª série, quiçá do ensino fundamental inteiro... Passava horas e horas do seu dia praticando cestas de longas distâncias, queria ser jogador da NBA, sonhava alto o Jairinho Espigão. Seu pai, Jairo da padaria, queria que o filho fosse advogado, um "Doutor", coisa que o próprio Jairo sempre quis ser, mas nunca conseguiu. Tivera que trabalhar duro desde muito cedo para cuidar da mãe e dos irmãos mais novos. Um filho advogado. Um doutor. Alegria maior não poderia haver na vida do seu Jairo da padaria.

-Como pode, meu filho?? Sua mãe e eu nos esforçamos tanto para te colocar nessa escola para que você tenha o que eu não tive, para que você possa ser um DOUTOR, e você passa horas e horas do seu dia batendo essa bola para lá e para cá... 4 em matemática. QUATRO! Não posso aceitar uma coisa dessas, vou te tirar desse time de basquete.

-Mas eu quero ser jogador de basquete, pai. Eu não quero ser advogado, eu nem gosto de história... Não sou uma marionete, pai. EU TENHO A MINHA VIDA!

E num estampido seco Jairinho bateu a porta atrás de si.

-Jogador de basquete! É isso que ele vai ser, o melhor jogador de basquete da NBA!

Repetia, com um sorriso estampado no rosto, o Doutor Jairo Filho, advogado, mirando fixamente o resultado da última ultrassonografia que sua esposa fizera. Um menino, era o que dizia.

-O melhor jogador de basquete da NBA!

Continuava a repetir como uma música gostosa enquanto atirava uma folha velha de rascunho no cesto de lixo perto da porta.