segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Beta

Sedenta pela vida, bebera cada segundo com tamanho afinco que afogou.
Pior seria morrer de sede, lentamente. 
Morreu afogada nos segundos intensos. 
Morreu feliz.

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Descafeinado, por favor.



Estava parado olhando para a caneca de porcelana azul onde descansava despreocupadamente uma colher de chá. Ali não havia chá, tampouco café. Café... Ela adorava café! Dei duas mexidas no achocolatado forte e tomei um gole grande. Ela adorava café. Era engraçado como isso soava: achocolatado era tão “show da Xuxa” e eu aqui, com meus vinte e pouquinhos, me deliciando em colheradas e mais colheradas de chocolate em pó, enquanto ela; que mal saíra da puberdade; estava lá, toda adulta com aquele nariz lindo e arrebitado – atrevida que era - pedindo um capuccino forte, amargo. Ultimamente tenho caprichado mais na superdosagem, quanto mais escuro melhor, o que vem a ser intrigante... Acabo de me dar conta que olhando bem para a mistura, composta de muito cacau e leite, eu poderia até me confundir e imaginar que fosse café – exceto, é claro, pelo aroma característico da sementinha da insônia - e talvez isso me fizesse ficar mais próximo dela. Ela adorava café. E ela o bebia em canecas: estava sempre com uma garrafa térmica no quarto, onde secava litros e mais litros enquanto divagava sobre a vida; sobre o amor; sobre mim... Quantas vezes aquela cabecinha não ficou confusa acerca das minhas inconsequências enquanto o cheiro gostoso de café tomava conta do ambiente?! Eu jamais iria saber, ela jamais me contaria. Levantei da cadeira, caminhei feito barata tonta pelo quarto e pensei em jogar fora o achocolatado, pegar um pouco de café e deixar para trás velhos costumes infantis. Caí na cadeira sorrindo e repeti em voz alta: - mas era ela que adorava café, oras, não eu! Novamente essa minha mania de tentar encontrar soluções inúteis para problemas imaginários, como se o fato de ser viciado em achocolatado forte interferisse na forma como tudo sucedeu. De fato não interferia. A solução seria outra e não cabia na caneca azul de porcelana. Também não caberia na garrafa térmica já cansada de tantas noites em claro, pois nem com milhões de goles de café ela conseguiria decifrar minhas inconsequências - sequer eu conseguiria. Nossa, como ela adorava café... Anteontem ela tomou suco de manga, infelizmente descobri isso da pior maneira possível: ouvindo o seu novo amor lhe oferecer carinhosamente, assim como eu já havia feito em outras ocasiões com o meu achocolatado forte. Ela preferiria café, com toda certeza. E no fundo uma pontada de orgulho por conhecê-la tão bem. Tomei o que restava do achocolatado sentindo descer pela garganta uma verdade: ela preferiria café, eu sei que sim, mas só tinha suco de manga, com sede que ela não ia ficar! Caramba, como ela adorava café!

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Boticário



Na nota de entrada: Almíscar.
Em seu caminhar incerto e castanho, apenas a vontade se fazia presente –
além, é claro, da nuvem perfumada que circundava sua aparição –
um aroma tão seu, que certamente impregnado na composição genética;
flores tentavam, sem sucesso, reconstruir esse encanto.

No coração: Cravos da Índia e Pimentas do Reino.
Cheiro de fogo, de paixão, de desejo.
E o calor do momento esquentava a carne,
tornando todo o resto sem graça e sem cor.
Vermelho, muito vermelho, 
para sinestesiar a ocasião plural.
Em línguas, em mãos, em gosto. 
Quente; ardente.

Sândalo para nota de fundo.
Num suspiro longo a sensação de um sonho bom,
perdida em pensamentos:
imagens rápidas, aleatórias, paz e saudade.
Inspiro fundo e te sinto tão longe, mas, 
ainda assim tão perto,
aqui, 
em mim.