Estava parado olhando para a caneca de porcelana azul onde
descansava despreocupadamente uma colher de chá. Ali não havia chá, tampouco café.
Café... Ela adorava café! Dei duas mexidas no achocolatado forte e tomei um
gole grande. Ela adorava café. Era engraçado como isso soava: achocolatado era
tão “show da Xuxa” e eu aqui, com meus vinte e pouquinhos, me deliciando em
colheradas e mais colheradas de chocolate em pó, enquanto ela; que mal saíra da
puberdade; estava lá, toda adulta com aquele nariz lindo e arrebitado –
atrevida que era - pedindo um capuccino forte, amargo. Ultimamente tenho caprichado
mais na superdosagem, quanto mais escuro melhor, o que vem a ser intrigante... Acabo de me dar conta que
olhando bem para a mistura, composta de muito cacau e leite, eu poderia até me
confundir e imaginar que fosse café – exceto, é claro, pelo aroma
característico da sementinha da insônia - e talvez isso me fizesse ficar mais
próximo dela. Ela adorava café. E ela o bebia em canecas: estava sempre com
uma garrafa térmica no quarto, onde secava litros e mais litros enquanto
divagava sobre a vida; sobre o amor; sobre mim... Quantas vezes aquela
cabecinha não ficou confusa acerca das minhas inconsequências enquanto o cheiro gostoso de café tomava conta do ambiente?! Eu jamais iria saber, ela jamais me contaria. Levantei
da cadeira, caminhei feito barata tonta pelo quarto e pensei em jogar fora o
achocolatado, pegar um pouco de café e deixar para trás velhos costumes
infantis. Caí na cadeira sorrindo e repeti em voz alta: - mas era ela que
adorava café, oras, não eu! Novamente essa minha mania de tentar encontrar soluções inúteis
para problemas imaginários, como se o fato de ser viciado em achocolatado forte
interferisse na forma como tudo sucedeu. De fato não interferia. A solução
seria outra e não cabia na caneca azul de porcelana. Também não caberia na
garrafa térmica já cansada de tantas noites em claro, pois nem com milhões de
goles de café ela conseguiria decifrar minhas inconsequências - sequer eu conseguiria. Nossa, como ela
adorava café... Anteontem ela tomou suco de manga, infelizmente descobri isso
da pior maneira possível: ouvindo o seu novo amor lhe oferecer carinhosamente,
assim como eu já havia feito em outras ocasiões com o meu achocolatado forte.
Ela preferiria café, com toda certeza. E no fundo uma pontada de orgulho por conhecê-la
tão bem. Tomei o que restava do achocolatado sentindo descer pela garganta uma verdade: ela preferiria café, eu sei que sim, mas só tinha suco de manga, com
sede que ela não ia ficar! Caramba, como ela adorava café!
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