segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Cíclico - Sobre pais, filhos e sonhos impostos.

-Não sou uma marionete, pai. EU TENHO A MINHA VIDA!

E num estampido seco Jairinho bateu a porta atrás de si.

Espigão, era assim que Jairinho era chamado na escola. Espichara 13 centímetros no último verão, o que o deixava agora com 14 anos e 1,88m de altura, conferindo-lhe o status de mais alto da 8ª série, quiçá do ensino fundamental inteiro... Passava horas e horas do seu dia praticando cestas de longas distâncias, queria ser jogador da NBA, sonhava alto o Jairinho Espigão. Seu pai, Jairo da padaria, queria que o filho fosse advogado, um "Doutor", coisa que o próprio Jairo sempre quis ser, mas nunca conseguiu. Tivera que trabalhar duro desde muito cedo para cuidar da mãe e dos irmãos mais novos. Um filho advogado. Um doutor. Alegria maior não poderia haver na vida do seu Jairo da padaria.

-Como pode, meu filho?? Sua mãe e eu nos esforçamos tanto para te colocar nessa escola para que você tenha o que eu não tive, para que você possa ser um DOUTOR, e você passa horas e horas do seu dia batendo essa bola para lá e para cá... 4 em matemática. QUATRO! Não posso aceitar uma coisa dessas, vou te tirar desse time de basquete.

-Mas eu quero ser jogador de basquete, pai. Eu não quero ser advogado, eu nem gosto de história... Não sou uma marionete, pai. EU TENHO A MINHA VIDA!

E num estampido seco Jairinho bateu a porta atrás de si.

-Jogador de basquete! É isso que ele vai ser, o melhor jogador de basquete da NBA!

Repetia, com um sorriso estampado no rosto, o Doutor Jairo Filho, advogado, mirando fixamente o resultado da última ultrassonografia que sua esposa fizera. Um menino, era o que dizia.

-O melhor jogador de basquete da NBA!

Continuava a repetir como uma música gostosa enquanto atirava uma folha velha de rascunho no cesto de lixo perto da porta.