quarta-feira, 14 de setembro de 2011

A his[es]tória de Clarissa (um desromance inventivo, ou não.)

Sabe aqueles momentos em que você está só, em casa, fazendo algo tão mecânico que sua atenção está toda voltada para dentro de si? Algumas vezes, quando nestas situações, me vejo pensando em histórias e pessoas que de tão reais e detalhadas não consigo distinguir se verdade ou invenção. Foi assim com essa história de Clarissa:

A incrível habilidade com pessoas era o que melhor definia Clarissa, que, em seus 14 anos e meio (como gostava de ressaltar), conseguia delas tudo que queria, sem precisar de muito esforço. Descobrira bem cedo que tinha um full house nas mãos. Olhos manhosos, uma voz doce, cara de vítima e duas palavras: "Não precisa". PIMBA! Lá estava a pequena Clarissa vendo se consolidarem todos os seus caprichos. Aquelas 5 cartas eram praticamente invencíveis. As duas palavras eram os ases da psicologia reversa criada por Clarissa para convencer as pessoas, era o blefe antes de baixar seu full house, e todos apostavam as fichas, e perdiam. E Clarissa levava sempre o prêmio máximo. Foi assim com aquela boneca que fazia xixi, e que seus pais não tinham condições de comprar, a qual uma semana depois estava de cabelos cortados e sem uma perna no fundo do baú. Da mesma forma ocorreu com a bicicleta que Dona Maria (a babá) levou de presente para a sobrinha depois de ver a pobre coitada parada por meses após a primeira queda feia.

-Pequena dissimulada! - diriam as senhoras acompanhantes fervorosas das telenovelas das 20hs. -Diamante BRUTO! - responderiam os marqueteiros mais sagazes. Clarissa; que não sabia ainda (nem se importava em saber) a diferença entre simular e dissimular, tampouco vislumbrava algum cargo político; só queria mesmo era ficar na internet até mais tarde, conseguir aqueles pontinhos extras com os professores e dormir toda sexta na casa da Marcinha, sua melhor amiga daquele ano (os pais da Marcinha eram o máximo: elas podiam ficar com a porta fechada enquanto falavam dos meninos mais velhos até tarde que eles nem se importavam. PORTA FECHADA, que sonho!).


O que ninguém sabia, nem mesmo a Marcinha, era que Clarissa tinha uma fraqueza, uma fraqueza de nome Gilmar, a quem todos chamavam de Gil. Era diferente de todos os meninos-estereótipos que haviam na escola. Sim, a escola é formada de pessoas-padrão, que agem como robozinhos. Tem aqueles que só estudam, os que só brincam, os que só conversam e tiram notas boas, os que só conversam e sempre estão de recuperação, aqueles que são amigos de todos, os que não tem amigos, e o Gil. Ele não conversava muito, tirava notas medianas, tinha alguns bons amigos, fazia poucas recuperações e sorria AQUELE sorriso. O sorriso que fazia Clarissa mostrar suas cartas antes da hora, se atrapalhar no embaralhar, piscar no blefe e perder a compostura. E aí tudo dava errado quando estava perto dele, nunca conseguia o que queria do Gil, nem das outras pessoas, caso a aproximação com ele fosse o suficiente para que ela, em sua visão periférica, desconfiasse que ele a estava olhando. E aquilo vinha consumindo Clarissa desde a terceira série. Já havia experimentado odiá-lo - ele ignorou. Ignorá-lo - ele sorria. Sorrir - ele estranhava. No momento estava amando-o. Ainda não sabia bem o que isso significava, só sabia que era um pouco mais complicado. Dessa vez o mundo não se restringia a ela e Gil. Tudo agora envolvia qualquer menina para quem o sorriso mágico derretedor de mentes se dirigia. Ela odiava todas. Ela odiava ainda mais as que sorriam de volta. E era triste odiar. Nunca havia odiado ninguém antes, além do próprio Gil e da Ana (mas a Ana é irmã, e irmã não conta.) 


Naquela sexta ela estava especialmente mal-humorada, odiando com todas as suas forças a Priscilla por ter feito aquele trabalho em dupla com o Gil, e ter ficado os 50 minutos da aula ao lado dele com conversinhas no pé do ouvido. - Quem ela pensava que era? - se perguntava incrédula. Foi então que Marcinha, que até então estivera curiosamente calada, se manifestou: 

-Hoje não vai dar pra você ir lá para casa.
-Como assim??? - Perguntou, num tom mais ríspido que o normal, Clarissa
-É que eu marquei de estudar com o Gilmar e...
-VOCÊ O QUÊ?? - Não esperou sequer a resposta e partiu.

Estava deitada em seu quarto, chorando baixinho, com a porta aberta (mais do que nunca desejava os pais da Marcinha, que sonho aquela porta fechadinha...), quando teve uma epifania. Deveria falar para Gil o que estava sentindo. Ele precisava saber. Ele tinha que saber. Tentou ligar - desistiu no primeiro sinal de chamada. Decidiu escrever uma carta - cansou na 5ª tentativa. Pensou em mandar um e-mail - achou que seria muito insensível. Então resolveu que seria pessoalmente. Falaria na segunda mesmo. E aquele foi o final de semana mais longo e angustiante da vida de Clarissa. Sem Marcinha tudo parecia passar mais devagar. Prometeu que não iria atender os telefonemas da amiga, não queria saber sobre a sexta-feira, não queria que nada a fizesse desistir dos seus planos.


A segunda-feira chegou. Acordou mais cedo que de costume (seria a ansiedade?), tomou um banho demorado, se perfumou, dispensou o café e foi para a escola. Gil costumava chegar um pouco mais cedo, seu pai o levava todos os dias no caminho do trabalho, então ela foi logo procurá-lo. Ele, sorridente como sempre, a acompanhou até uma escada perto da biblioteca:

-É que... Eu não sei falar de outro jeito, Gilmar. Eu te amo. - Derramou as palavras como uma cachoeira sobre o garoto.
-Mas isso eu já sabia. - Sem desfazer o sorriso, completou, agora também com um olhar convencido, Gilmar.
-Você, você... - Balbuciou, até ficar em silêncio, uma chocada Clarissa.

Seis meses após o primeiro beijo mais legal já visto (dentre todos aqueles da sessão da tarde), Clarissa estava convencida que Gilmar não sabia jogar poker. De nada servia seu full house. Ele era imune, não fazia o que ela queria, só fazia o que ele queria, e mais, fazia com que ela achasse tudo o que ele queria incrível. Foi então que o inesperado aconteceu. Tudo parecia ótimo, e Clarissa já se conformava com o fato de não conseguir que Gil realizasse seus caprichos, já estava satisfeita com as outras pessoas - ele era diferente até nisso - pensava. Mas foi quando ele chegou e não a beijou como de costume que sentiu as coisas estranhas.

-O que houve? - perguntou.
-Precisamos conversar, Lissa. - respondeu um sério e desconhecido Gilmar.
-Estou ouvindo.
-Olha, você é ótima... Gosto muito, muito mesmo de você... Mas é que a gente é muito jovem, e eu quero me divertir com meus amigos, e não quero me prender, e...

E... E... Clarissa teve sua primeira desilusão amorosa. Pobre Clarissa. Aquele menino que não jogava poker não soube valorizar seu full house. Descobriu cedo que suas cartas não eram invencíveis, eram quase invencíveis...

A incrível habilidade na conquista era o que melhor definia Gilmar, que, em seus 14 anos de pura sedução (como gostava de ressaltar), conseguia a garota que queria, sem precisar de muito esforço. Descobrira bem cedo que tinha um Straight Flush nas mãos. Ignorava, sorria, estranhava, paquerava a melhor amiga e esperava. PIMBA! Lá estava o pequeno galã vendo a ingênua garota se derreter aos seus pés. Aquelas 5 cartas, sim, eram invencíveis. O sorriso e a paquera da melhor amiga eram os ases da psicologia do amor criada por Gil (era assim que o chamavam) para fazer com que as meninas viessem até ele, era o blefe antes de baixar seu Straight Flush, e todas apostavam as fichas, e perdiam. E Gil levava sempre o prêmio máximo. Foi assim com aquela menina bonitinha da oitava série, que todos os amigos de Gilmar gostavam, e que, inexplicavelmente faziam tudo que ela queria. Ela era legal, ele até começou a gostar dela, mas desde que se recorda traz consigo o ensinamento (que não sabe nem de quem nem de onde absorvera) de que no jogo do amor, o vencedor não pode amar... E então guardou seu Straight Flush para jogar em outra mesa, mas essa é uma outra história...

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Monólogo do verdadeiro eu (A poesia sem rima, sem verso e sem cara.)

Parece que estou, por ora, mais perto de mim. Às vezes me permito esquecer que sua presença me afasta do meu eu e me aproxima dessa outra pessoa que nos une, a mim e a ti. Esse elo misterioso e desconhecido que vive nas profundezas do meu ser. Ouso dizer que sequer ele se conhece. Um rosto diferente de todos que já se viram, que por jamais se defrontar a um espelho não se reconheceria nem nas mais nítidas fotografias. Ainda me questiono intermitentemente (naqueles momentos em que consigo conversar comigo, só nós duas) sobre como pude deixar essa criatura viver tanto tempo em mim sem que fôssemos formalmente apresentadas. - Quanta falta de educação - me respondo. Parece que a primeira pessoa a conhecê-la, a ver seu rosto, a sorrir para o seu sorriso foi você. A primeira e única até então. Droga! Eu queria tanto que você me conhecesse... Tem tanta coisa que eu queria te dizer, que eu queria te mostrar, que eu queria que você soubesse... Mas basta que você se aproxime e eu fujo de mim. E eu me repreendo, juro! -O que há com você? - me pergunto. Nada adianta. Eu fujo para muito distante de mim, e te deixo só com o elo. Com a pessoa misteriosa que nos liga. Ela sim é corajosa, não foge. Afinal, não conhece o próprio rosto, os próprios defeitos. Quem não se conhece não teme o desconhecido. Mas o dia está chegando em que me apresentarei a esse outro ser que vive em mim e talvez, assim, ele me ensine algumas coisas. Quem sabe ele me leve até você, já imaginou? Talvez possamos sair os três, e eu, enfim, consiga te dizer todas essas coisas que só te digo de longe; quando estou sozinha comigo; e te mostrar também o meu sorriso, te ouvir falar... Tenho certeza que o outro ser vai entender, ele me protege, ele cuida de mim. Ele não se conhece mas me conhece. Podemos ser amigos, eu e o outro ser, ele pode ser não somente o elo que me liga a você, ele pode se tornar o elo que me liga a mim. Genial! Precisamos nos conhecer urgentemente! Eu e esse outro ser, oculto, que vive em mim e que está perto de ti todas aquelas vezes em que na sua presença, eu, covarde, temerosa de qualquer coisa imprecisa,  parto em debandada.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Em alto-relevo


Abro meu mundo,
te trago,
te bebo, te beijo e te deixo entrar.
Decifro em mim mil vezes seu nome em alto-relevo,
gritando em cada extremo do meu corpo
que sou sua.
Procuro melhor,
verifico cada cicatriz deixada pela vida,
seu nome não marca meu corpo.
Seu nome marca minh'alma.
Em um relevo tão expressivo que se manifesta como se assim o fosse.
No fundo não te deixo entrar,
na verdade eu não quero te deixar sair.
Minha pele te prende em mim,
te segura e te contém,
e te acolhe, e te percebe.
Tão presente quanto ausente,
tão frio quanto quente,
tão meu quanto do mundo.
E seu.
E meu mundo escancarado pro que vem de fora,
e fechado egoistamente para o que está dentro,
para que dele nada escape,
e dentro dele você.
Gritando em alto-relevo que sou sua.